sábado, março 17, 2012

CONFLITO

pode o amor mais que qualquer segredo
disfarçar-se de medo - não me iludo
o amor pode isto - e pode tudo
e mesmo disfarçado é o antimedo

o amo sem disfarce é confiança
o poder sorridente da alegira
na lágrima no brilho que escorria
a certeza na incerteza sua herança

se o amor vem de medo disfarçado
seu contato sem querer evito
e fico olhando assim meio de lado

modulando o terror desse teu grito
melodia de tom desencontrado
quer por que quer levar meu infinito

LAÇO MEIO LASSO

num outro poema faço
um laço das cordas da lira
e das cordas vocais o abraço
feito laço já delira:
se o laço o presente enfeita
meu coração já te dou e te dei
meu coração, você me aceita?
com o teu já me acertei
e nem preciso de laço
pois já bate no compasso
na cadência que sonhei

BERROS EM VÃO

aos berros e em vão
poema exige audição:
audiência impõe a indecência
da desatenção

no bar
ouvidos semibêbados
só querem tagarelar

tímido o poema se recolhe
em seu recato
tenta digerir o desacato
mas no ato
o vexame não evita:
mantém-se quieto e sóbrio
     - mas vomita!

GANA DOS VENDAVAIS

por que você não me ama?
anseia a amada por mais
do que esse peito reclama?
dos poemas que não me faz!

o diálogo na cama
nossa chama acende mais
e o fogo devora a grama
na gana dos vendavais...

cada dia mais e mais
além do que sou capaz
com você me comprometo

volte um pouquinho atrás
releia aquilo que jaz
por trás do pífio soneto!

AH SALTO QUÂNTICO

(aos cinco sujeitos armados e sem convite
que entraram na minha casa)

boiam farrapos de um rito
uma frase esfarrapada boia
impossível ter-me eu escrito
com as tintas da paranoia

quanto escrevo é alma é grito
ter sido logrado em troia
ter sido largado aflito
em terra que não me apoia

mas na ânsia de infinito
setas lanço contra o Alto
e assim muito mais dói a

dor que minto e engasgo o grito
esfarrapado: - isto é um assalto!
e me respondo: - é metanoia!

ABANDONO

a tosse a dor a coriza
o malestar na garganta
cada sintoma avisa
contra a gripe o que adianta?

o jeito é ficar de molho
o jeito é ficar de cama
já fica vermelho o olho
fica a amada de pijama

à noitinha um alvoroço
e toca a fazer cafuné
e massagem no pescoço
massagem boa no pé

depois da massagem o sono
vem aquela paz enorme
ela dorme e eu não durmo

quisera a paz o abandono
com que minha amada dorme
     - mas meu sono perde o rumo

BODAS DE OURO (ALQUÍMICO)

meio século de convívio
com um não-sei-bem-o-quê
muito pouco de alívio
muito muito de sofrer
     cinquenta anos: enganos
     desenganos reenganos
     a dor por mestre implacável
     o mal dito incurável
     debocha das medicinas
     - dor sem remédio e sem tédio
     dor que dói e que azucrina
posso sentir na pele
ardor sem pé nem cabeça
ou secura que revele
tudo o que eu já não conheça:
     noites com sono ausente
     afogadas num edema
     se transformam de repente
     num bom mote de poema
a pele e sua escritura
são o papel e a pena
que registram a tortura
da poesia no poema
     alopatia isopatia
     homeopatia o teu pra sogra
     mesmo a naturopatia
     fica tudo a mesma droga
que a coceira vem vermelha
ora empola ora arrepia
isto até já se sabia...

     em que a dor se assemelha
     com a flor da poesia?    

SOLSTÍCIO DE DEZEMBRO DE 2012

mal levanto o véu de maia
um rosto de profecia aparece
um tempo-limite se oferece
e a oferenda toca a deusa, que desmaia

seu desmaio lucidez de oferenda
transe que os mistérios desvenda
e fascina a face da simplicidade
e ilumina o tempo se o contemplo
com olhos de transe, desfocado

maia revela a unidade circular das eras
e a claridade ofusca os luminares
acadêmicos repletos de quimeras
e acirra seus disputares
e os calcina na fogueira das vaidades

2012 já nos mirde os calcanhares:
hecatombe? apocalipse? catástrofe?
     - nova consciência e nova humanidade!

BIS COITO DOCE

naquela madrugada insone
em cada poro o amor fluía
em cada pêlo a pele já sorria
saciadas já a sede e a fome

cegos nós cegos nós já fomos
naquelas noites já virando dia
devassa a luz se comovia
e nos movia pra dentro do sono

mas, de dentro um sol se impunha
envergonhado tímido perplexo
se irradiava do coração à unha

você e eu mais vivos reconexos
flutuando sétimas alturas
ressucitando gentis os nossos sexos

VÉU DA PROFECIA ou TUDO É MAIA

aos deuses, mesmo etílicos,
pedi que o tempo se contraia
e aceite o beijo do profeta
no intelectual cheio de pose...

piedade pedi para o poeta
ao descompactar o arquivo
                             - sem qualquer aviso -
do ano dois mil e doze

resultado: uma lacraia
roeu-me a roupa e o véu de maia. 

NAUFRÁGIO SIDERAL

     Sinto-me hoje um náufrago sideral, tendo dado com os costados na ilha do meu isolamento (temporário?).
     Trago em mim um rádio de ampla potência e a enorme esperança de restaurar-lhe o poder de sintonia milenar, recém-perdido pela ferrugem mental do desuso.
     Trabalho humilde e silencioso, por maneira experimental, nos centros psíquicos do aparelho, limpando, calibrando, redirigindo energias, segundo secretíssimo esquema arcano.
     Não me perguntem o porquê, mas registro interiormente cores, imagens, sons que anunciam a Luz de uma Aurora inadiável.

          Afinal, pássaros voam e isto é tudo!


POETA SUCUMBE À POESIA

macho: sadio
aliança esquerda ostensiva
no dedo ágil
mas pacato

fêmea: saudável
escamoteadas inúmeras alianças
fala macia seminaudível
audissoprado convite
ao pecado

recusa polida
embora incêndios fúrias e febres

insistência que aflige
a mais santa abstinência

                      ... e, afinal,
                          noblesse oblige!

A DÍVIDA

deixei a porta da casa
inteiramente arregalhada
esperando a volúvel poesia

ela chegou porque inexiste o acaso
e desgrenhada e desdentada e suja
tinha nos braços a criança magra

pediu-me pão e leite e afago
e saiu com meio litro e uma bisnaga
- ficou-me a sobra: lodo e engasgo.

ISTO FAZ UM BEM!

(para os pixotes da silva)

meu poema foi recolhido
tá encolhido no xadrez:
cheirava coca
cheirava cola
               na praça da sé.
meu poema é dimenor
               no chafariz tomou banho
               num otário fez um ganho
               meu poema deu no pé!

agora está recolhido
no fundo da funabem*
na funabem servem coca
                                  cola não sei se tem
meu poema tá magrinho
ossinho como ele só!
barrigão de verminose
sonha sonhos de overdose
poema, te sei de cor,
poeminha dimenor!   

* Em 1° de dezembro de 1964, durante a ditadura militar brasileira, foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), órgão normativo que tem/tinha a finalidade de criar e implementar a "política nacional de bem-estar do menor", através da elaboração de "diretrizes políticas e técnicas".


quinta-feira, março 15, 2012

DIA DA POESIA?

espalho versos sem disciplina
minha sina meu respirar:
és meu verso e eu, teu servo,
te sirvo o amar

poemas me surgem sem quê nem porquê
aqui e acolá vão se soltando
e só quem me lê vai completando
o seu existir
de onde provém esse meu elixir?

pérola e emoção, atrai emoção
a quem lê
essa ressonância entre mim e você
respirar não se adia
poesia tem hora? tem dia?

AMOMEZE, AMOROMEZE


amomeze amoromeze

enbuŝigita peniso mia

tragorĝe moviĝas iĝas

plenfluga birdo fluganta bardo

ĝis buŝa ĉielarko via

vespero magia mia deziro

daŭra rondiro fariĝas nia

renoviĝintaj amantoj

- fortaj ondoj leviĝantaj -

furoras amoras horloĝ-forgesite

disdonitaj kantoj.



la tempo lacema

haltema

tiun longan spiron entenas

la tagon vekigas amo nia harmonia

la vivo poezias solene kaj plene

sanktigita de amo - svene magia

kaj amo kaj vivo kaj versoj

kaj universoj moviĝas

per la forto poezia.

quinta-feira, março 08, 2012

SOL-SE-PONDO

que amores
me reservas?
que cores
que relvas
que flores
que ervas?

quantas tardes
solporemos?
que crepúsculos
obraprimam
nosso encontro?

quentes primaveras
quantos sóis verão?
quanto ninho
se desmancha
palhas?
quanta pena
voa já sem pausa
sem pássaro
sem ar sem sequer
voar?

ME POEMAS, MULHER!

traço letras
que me escrevem
fotos grafam-me
poemas instantes
fotocopio e fotoguardo
momentos movimentos
teu som.

traças meu perfil
trocas meu refil
me fazes palavra
me prendes no canto
me impões o papel
te alvo a caneta
te salvo e secreta
me condenas
à busca do livre
que sou
do livro
que sou
do texto que estou
te sendo.

terça-feira, março 06, 2012

TRILHA

Segue a mesma trilha de animal ferido agonizante

eu pessoal ferido: separado esquecido sempre indo adiante
atado ao tempo apartado vacilante

supondo-se mortal e condenado


sigo essa trilha gasta dos costumes
dos truques aprendidos ataques defendidos

fendidos cascos dos caminhos rudes
eu pessoal que se supõe caçado

inacabada construção com seus tapumes
cansado de fugir e de atacar cansado


sem horizonte esqueceu-se vertical
linha de luz que vai da terra ao céu

e reverbera no céu de volta à terra

supõe ter um começo e um final

esquece que a vida só lhe aconteceu
na ilusão de errante – e então erra


sem caminho a cumprir meta a alcançar
deixa de ver o orvalho flores e cristais

esquece a travessia segue sem parar
em meio à abundância sente-se mendigo


sol no cristal devolve luz e vida – e sigo

sábado, fevereiro 11, 2012

CONTO LOUCO / FRENEZA RAKONTO

Desenhos animados da serpente | Vetor Premium

Estranho miniconto veio pousar na minha página. Sempre bilíngue, alternava português e esperanto. Animais, os temas preferidos: papagaio, macacos, desta vez uma serpente como protagonista. Um desafio tinha recebido a serpente: enganar uma mulher oferecendo-lhe irrecusável presente. Depois de uma meditação, imaginou-se mulher. E fingiu ser não uma joia ordinária mas um brinco com o grande, raro poder de contar às demais mulheres todos os mais secretos segredos das mulheres da vizinhança. "Oh! meu poder aumentaria, evidente! Felicidade imediata!" Tinha um problema... Quando entrou no zoológico, perdeu o brinco. Só de noitinha achou sua joia, mas, oh não!, no alto da árvore do Paraíso. Foi se chegando, e novamente uma serpente oferecia a ela uma antiga e legendária maçã. Chorando muito a mulher fugiu.

Moral: De novo, nunca mais!

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Rakonteto stranga eksidis iam sur mia retpaĝo. Ĉiam dulingve ĝi alternis portugale kaj esperante. Bestoj, la preferata temo: papagoj, simioj, ĉifoje tamen serpento estus la ĉef-rolulo. Defion ricevis la serpento: trompi virinon per nerifuzebla donacoferto. Post meditado ĝi imagis sin virino. Kaj ŝajnigis ĝi esti ne ordinara juvelo sed orel-ringo kun ege malofta povo: rakonti al la ceteraj virinoj pri ĉiu plej sekreta sekreto de la aliaj najbaraj virinoj. "Ho! mia povo evidente pligrandiĝu! Feliĉo tuja!" Estis problemo... Enirinte en la bestoĝardenon, ŝi perdis la orelringon. Nur preskaŭ nokte ŝi trovis sian juvelontamen ho vesur la fama arbo de Paradizo. Ŝi proksimiĝis, kaj refoje serpento ofertadis al ŝi antikvan kaj legendan pomon. Plorege forfuĝis la virino. 

Moralo: alifoje, neniam plu!

 

RELATIVO

  RELATIVO Sou pura sensação. Seria o mundo assim: prazer em profusão  às vezes tão chinfrim?   Faz sentido pra mim entre tanta vi...