sábado, março 17, 2012

BODAS DE OURO (ALQUÍMICO)

meio século de convívio
com um não-sei-bem-o-quê
muito pouco de alívio
muito muito de sofrer
     cinquenta anos: enganos
     desenganos reenganos
     a dor por mestre implacável
     o mal dito incurável
     debocha das medicinas
     - dor sem remédio e sem tédio
     dor que dói e que azucrina
posso sentir na pele
ardor sem pé nem cabeça
ou secura que revele
tudo o que eu já não conheça:
     noites com sono ausente
     afogadas num edema
     se transformam de repente
     num bom mote de poema
a pele e sua escritura
são o papel e a pena
que registram a tortura
da poesia no poema
     alopatia isopatia
     homeopatia o teu pra sogra
     mesmo a naturopatia
     fica tudo a mesma droga
que a coceira vem vermelha
ora empola ora arrepia
isto até já se sabia...

     em que a dor se assemelha
     com a flor da poesia?    

SOLSTÍCIO DE DEZEMBRO DE 2012

mal levanto o véu de maia
um rosto de profecia aparece
um tempo-limite se oferece
e a oferenda toca a deusa, que desmaia

seu desmaio lucidez de oferenda
transe que os mistérios desvenda
e fascina a face da simplicidade
e ilumina o tempo se o contemplo
com olhos de transe, desfocado

maia revela a unidade circular das eras
e a claridade ofusca os luminares
acadêmicos repletos de quimeras
e acirra seus disputares
e os calcina na fogueira das vaidades

2012 já nos mirde os calcanhares:
hecatombe? apocalipse? catástrofe?
     - nova consciência e nova humanidade!

BIS COITO DOCE

naquela madrugada insone
em cada poro o amor fluía
em cada pêlo a pele já sorria
saciadas já a sede e a fome

cegos nós cegos nós já fomos
naquelas noites já virando dia
devassa a luz se comovia
e nos movia pra dentro do sono

mas, de dentro um sol se impunha
envergonhado tímido perplexo
se irradiava do coração à unha

você e eu mais vivos reconexos
flutuando sétimas alturas
ressucitando gentis os nossos sexos

VÉU DA PROFECIA ou TUDO É MAIA

aos deuses, mesmo etílicos,
pedi que o tempo se contraia
e aceite o beijo do profeta
no intelectual cheio de pose...

piedade pedi para o poeta
ao descompactar o arquivo
                             - sem qualquer aviso -
do ano dois mil e doze

resultado: uma lacraia
roeu-me a roupa e o véu de maia. 

NAUFRÁGIO SIDERAL

     Sinto-me hoje um náufrago sideral, tendo dado com os costados na ilha do meu isolamento (temporário?).
     Trago em mim um rádio de ampla potência e a enorme esperança de restaurar-lhe o poder de sintonia milenar, recém-perdido pela ferrugem mental do desuso.
     Trabalho humilde e silencioso, por maneira experimental, nos centros psíquicos do aparelho, limpando, calibrando, redirigindo energias, segundo secretíssimo esquema arcano.
     Não me perguntem o porquê, mas registro interiormente cores, imagens, sons que anunciam a Luz de uma Aurora inadiável.

          Afinal, pássaros voam e isto é tudo!


POETA SUCUMBE À POESIA

macho: sadio
aliança esquerda ostensiva
no dedo ágil
mas pacato

fêmea: saudável
escamoteadas inúmeras alianças
fala macia seminaudível
audissoprado convite
ao pecado

recusa polida
embora incêndios fúrias e febres

insistência que aflige
a mais santa abstinência

                      ... e, afinal,
                          noblesse oblige!

A DÍVIDA

deixei a porta da casa
inteiramente arregalhada
esperando a volúvel poesia

ela chegou porque inexiste o acaso
e desgrenhada e desdentada e suja
tinha nos braços a criança magra

pediu-me pão e leite e afago
e saiu com meio litro e uma bisnaga
- ficou-me a sobra: lodo e engasgo.

RELATIVO

  RELATIVO Sou pura sensação. Seria o mundo assim: prazer em profusão  às vezes tão chinfrim?   Faz sentido pra mim entre tanta vi...